MOÇAMBIQUE – PME À MARGEM DOS GRANDES PROJECTOS

 

Mais de 90% das empresas moçambicanas são pequenas e médias empresas, mas não são as preferidas na prestação de serviços às multinacionais. 0 que estará a falhar?

A economia nacional depende fortemente dos megaprojectos. De acordo com dados do Banco de Moçambique, em 2014 os investimentos realizados nos megaprojectos do gás, do carvão e outros representaram 53% do total de investimento directo estrangeiro (IDE). Na economia, o peso destes projectos é igualmente notado no mercado de trabalho, pois em alguns casos são responsáveis pela criação de vários postos de trabalho directo e indirecto, e também (assim se espera) no desenvolvimento das pequenas e médias empresas, que representam mais de 90% do tecido empresarial nacional. É isso que tem vindo a fazer o grupo norte-americano Anadarko Petroleum, que está a efectuar prospecção petrolífera no Norte de Moçambique. De acordo com informação da Anadarko, a empresa despendeu 15 milhões de dólares na compra de bens e serviços junto de 100 pequenas e médias empresas (PME) moçambicanas em 2013. O mesmo “empenho” tem sido também realizado pelos brasileiros da Vale, que há largos anos são o principal investidor privado no país.

De acordo com Sérgio Chitará, director da Vale Moçambique entre 2008 e 2013, a empresa investiu aproximadamente 3 mil milhões de dólares na aquisição de bens e serviços para viabilizar o projecto, sendo que parte desse dinheiro foi direccionado para PME nacionais. O impacto da Vale no tecido empresarial da região de Tete é tão grande que, como resultado da crise mundial do carvão, que tem provocado prejuízos enormes nas contas da Vale, muitas PME na cidade de Tete começam a encerrar as portas.

Pela voz das grandes empresas, como a Vale e a Anadarko, íica-se com a sensação de que os megaprojectos estão fortemente interligados com o empresariado nacional, particularmente com as PME. Todavia, essa não é de todo a imagem que é contada pelo lado dos pequenos empresários.
Pela voz das PME

Delgénito Esmildo, director comercial da Tecnobyte, já perdeu a conta ao número de vezes que tentou fornecer serviços de informática a empresas como a brasileira Vale e a americana Anadarko. Esmildo acha que um “certo exagero das multinacionais” nos critérios exigidos para a selecção dos fornecedores está por detrás dos insucessos. Entre as muitas barreiras colocadas está a exigência de os fornecedores terem um certificado de qualidade promovido por uma entidade internacional. Considerando que muitas das PME nem sequer têm uma contabilidade organizada, dificilmente conseguirão atingir tal patamar de exigência. Mas o problema vai muito mais além dos requisitos exigidos pelas multinacionais. Começa precisamente pela ausência de condições básicas por parte das PME.

A rejeição da Tecnobyte da lista de fornecedores dos megaprojectos repete-se com outras PME. A EXAME apurou que a falta de experiência no fornecimento de serviços a grandes empresas, aliada à ausência de uma capacidade financeira capaz de suportar um contrato prolongado sem pagamentos prévios, juntamente com o desconhecimento na interpretação dos contratos, têm sido alguns dos motivos que colocam as PME moçambicanas fora da mira das multinacionais. Isto significa que grande parte do bloqueio a uma maior colaboração das multinacionais com as PME está justamente do lado do pequeno empresariado.

Os caminhos para dar a volta à questão podem consistir numa solução intermédia.

Economistas e representantes sectoriais contactados pela EXAME apontam para a oportunidade que as parcerias podem gerar para ambos. Através da união de forças, as PME poderiam alavancar a sua capacidade e aproximar-se dos padrões exigidos pelas multinacionais. Por parte das multinacionais, esta solução geraria imediatamente uma maior simpatia com a comunidade circundante a todo o projecto e, possivelmente, preços mais económicos de bens e serviços.

Eduardo Sengo, membro da Associação Moçambicana de Economistas (Amecom), concorda que as PME moçambicanas não têm capacidade em termos de quantidade, qualidade e regularidade. Para o economista, “não basta fazer bem um produto. É preciso que tenha esse produto em quantidades suficientes que a multinacional precisa, garantir a qualidade do mesmo produto e ser regular no fornecimento do mesmo”. Como forma de mudar esse cenário, Songo afirmou que “é preciso haver cultura de parcerias das PME no fornecimento de serviços”. Claire Zimba, director-geral do Instituto para a Promoção das Pequenas e Médias Empresas (IPEME), afirma que o acesso à informação e a complexidade técnica da própria informação exigida se coloca como constrangimento das PME. “É necessário que as PME entendam que devem apostar na formação e capacitação dos seus funcionários, para que possam desenvolver o mecanismo de qualificação para prestar serviços nas grandes empresas.” Zimba entende que, enquanto as PME não tiverem a contabilidade organizada, os pagamentos em dia e a certificação de qualidade dos seus produtos ou serviços, não poderão lograr sucessos nas suas actividades.

Parece claro que as PME precisam urgentemente de evoluir. Passarem a uma nova fase de crescimento. Muitas precisam de deixar o lado “amador” para encararem a sua actividade como algo profissional num mercado altamente concorrencial. É neste ponto que Zimba aconselha as PME a adoptarem o sistema de coligação empresarial, para que possam estar em condições de suportar contratos que exigem uma certa capacidade financeira. Já Eva Pinto, responsável sénior pela responsabilidade social da Anadarko em Moçambique, vê as exigências impostas pela sua empresa como uma oportunidade de as PME melhorarem a qualidade dos serviços. “O desafio é sempre uma oportunidade de o agente escalar do nível em que está para aquilo que é exigido. Acho que é uma oportunidade de capacitação e desenvolvimento das PME”, disse. Mas para Esmildo, o dilema é como o do ovo e da galinha: “Porque não nos dão mais oportunidades de, pelo menos, fazermos a prestação de serviços de coisas pequenas? Fazendo isso estariam a ajudar-nos e seria uma forma de crescer e ganharmos experiência no ramo.”
Barreiras por ultrapassar

Em quase todo o mundo as PME desempenham um papel importante na construção de uma economia cada vez mais sólida. Em países como Alemanha e Itália, são estas que predominam na prestação de serviços e no emprego, contribuindo desta forma para o alavancamento da economia.
De acordo com um estudo da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), feito em Novembro do ano passado sobre as PME moçambicanas, boa parte destas empresas ainda enfrenta problemas de várias ordens no processo de crescimento. Os desafios vão desde a falta de mão-de-obra qualificada à fraca capacidade de gestão financeira e ausência de plano estratégico de médio e longo prazo para o crescimento. “Um número significativo de empresas não define objectivos a médio-longo prazo. As estratégias de crescimento são pouco estruturadas e centradas no curto prazo”, refere o estudo.

Embora reconheça que a sua empresa não está em condições de fornecer serviços a uma empresa como a Vale durante um período considerável, Esmildo é de opinião que os concursos públicos só beneficiam as grandes empresas em detrimento das PME. Para o director comercial da Tecnobyte, as multinacionais deviam promover concursos públicos focados só nas PME, para estimular o sector. “Não faz sentido uma PME participar num concurso público em igualdade de circunstâncias com uma empresa grande. É claro que a PME nunca terá um espaço”, diz.
Mário Macuácua, director-geral da Mobi- serv, uma empresa que se dedica à comercialização de mobiliário de escritório e hospitalar, chama a atenção para a necessidade de haver mais informação por parte das multinacionais sobre as exigências dos contratos. Embora admita que muitas das PME não estão devidamente organizadas, Macuácua acredita que um maior acesso à informação poderia melhorar a participação das PME nos concursos públicos. “Eles exigem também certificado de qualidade. É certificado internacional que, para ter aqui [em Moçambique], é difícil”, refere Macuácua. O empresário afirma que não foram poucas as vezes que viu a firma fracassar em conseguir contratos com a Rio Tinto por não reunir as condições exigidas pela multinacional. Já com a Vale o resultado foi diferente, e a Mobiserv conquistou um contrato.

Denise Cortes, directora executiva da Associação de Comércio e Indústria, afirma que muitas das PME não têm contas auditadas nem estão devidamente registadas, o que dificulta o acesso aos contratos com as multinacionais. “Acho que é importante que as PME passem por um período de preparação para se tornarem fornecedoras” salienta.

A falta de sustentabilidade é outro problema que afecta a maior parte dessas empresas. “Muitas das PME não têm capacidade de fornecer serviços a médio e longo prazo a uma multinacional devido à incapacidade financeira.” Segundo Cortes, as empresas moçambicanas passaram muito tempo sem enfrentar selecções mais criteriosas, o que dificulta a adaptação ao novo ambiente.

Em Julho do ano passado, num seminário promovido pela Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) centrado em aproximar os grandes projectos em operação na província de Tete e as PME, Guilber Souza, especialista em promoção de conteúdo local, disse que os megaprojectos nunca vão abdicar da qualidade nos serviços que contratam junto das diversas empresas pelo facto de estarem inseridas num meio exigente, onde a certificação e a inserção das empresas nos índices bolsistas é fundamental para serem elegíveis como fornecedoras de serviços e produtos. “É fundamental que as PME invistam no capital humano, na tecnologia e na capacidade de prestação de um serviço de qualidade a longo prazo para que possam ser aceites pelas grandes empresas envolvidas em actividades como petróleo, gás e mineração”, avançou o especialista.

O sucesso de grandes e pequenas empresas só será possível caso todas trabalhem em conjunto com o mesmo afinco. Ambas dependem do seu par. E o país precisa que ambas trabalhem de braços dados.

 

2015-06-03

Exame Moçambique através de www.portugalglobal.pt